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“This is no cookery book” – Publico, Portugal

October 18, 2010 1 comment

Dining al-Qaeda may not yet be out in Portuguese, but Portugal’s leading newspaper Publico gave the book an eye-catching outing in this review/interview published on 15 October.

“Dining with Al-Qaeda”

não é um livro de culinária

Margarida Santos Lopes

O Médio Oriente são “muitos mundos”. Hugh Pope percorreu-os durante 30 anos e agora revela, numa obra notável, as suas várias histórias, incluindo as que o “Wall Street Journal” omitiu e as que Robert Fisk “inventou”. A viagem começa num bordel na Síria, onde o antigo aluno de Oxford percebeu que não bastava ser fluente em árabe, farsi e turco para compreender uma região tão complexa ou sobreviver a um jantar com a Al-Qaeda.

Depois de três décadas como correspondenteno Médio Oriente de vários média internacionais e, em particular, do “Wall Street Journal” (WSJ), Hugh Pope desistiu de ser repórter. As dificuldades que tantas vezes encontrou para contar o que viu e ouviu deixaram-no frustrado. Os seus artigos foram frequentemente reescritos – e até não publicados – para poderem agradar a uma audiência muito singular. “Quando, por exemplo, escrevi que os palestinianos foram ‘forçados a deixar’ as suas casas e a exilar-se, os vigias do ‘lobby’ pró-Israel (…) activaram uma campanha para exigir o uso da palavra ‘fugiram’”, conta Pope, actualmente director do Projecto Turquia/Chipre do “think tank” International Crisis Group (ICG), em Istambul. “Quando escrevi que três milhões de palestinianos fora da Palestina pré-1948 são ‘refugiados’, forçados ao exílio pela expansão de Israel, e estão impedidos de regressar, os ‘lobbyistas’ quiseram que [o WSJ] os dividisse em refugiados originais e seus descendentes. (…) Com todas estas omissões e subterfúgios, fomos acrescentando mais um tijolo à grande muralha de incompreensão que agora separa a América do Médio Oriente”, aponta.

Ao longo de mais de 300 páginas, sem seguir uma ordem cronológica, Hugh Pope ajuda-nos a descodificar a complexidade dos “muitos mundos” do Médio Oriente. Um Médio Oriente que inclui Wao, no Sul do Sudão, onde se encontrou “pela primeira vez facea- face com a fome”, mas também o Irão, onde, depois de uma visita ao túmulo de Mohammad Hafez, cujos poemas são mais vendidos do que o livro sagrado dos muçulmanos, percebeu que “Morte à América” pode querer dizer apenas “América, por favor, mostra que gostas de mim”; o Afeganistão, onde o governador Taliban do Banco Central o recebeu de olhos no chão, descalço e sem nunca lhe apertar a mão – mas confiante de que iria atrair muitos investidores estrangeiros; e a Arábia Saudita, onde o dissidente Sami Angawi tentou provar-lhe que pouco distingue a Al-Qaeda dos wahhabitas no poder: “É a diferença entre Marlboro e Marlboro Light”.

Foi a esse reino onde os suicidas dos atentados terroristas do 11 de Setembro são admirados (por alguns) como “rapazes maravilhosos” que Pope foi buscar a ideia para o título do seu livro. “Dining with Al-Qaeda” é o capítulo em que narra o encontro com um “da’i”, ou missionário, da rede de Osama bin Laden. Intimidado com a hostilidade do jovem de 24 anos, Hugh iniciou assim a conversa: “Sei que a imprensa ocidental pode parecer distante e hostil, mas isso é porque a vossa voz não é ouvida. As pessoas não estão familiarizadas com a vossa perspectiva. Se aceitar falar comigo, posso dar a conhecer o vosso ponto de vista”. Depois de uns minutos de silêncio, o interlocutor perguntou: “Devo matá-lo?” Pope escapou ao destino do seu colega Daniel Pearl (decapitado no Paquistão) porque conhecia bem as escrituras e as “hadith” (tradições) de Maomé. Argumentou que o seu visto de entrada na Arábia Saudita seria equivalente ao salvo-conduto que os estrangeiros cristãos recebiam do profeta do islão. “Realmente o visto está assinado pelo rei, mas há teólogos que consideram o rei ilegítimo”, contrapôs o discípulo de Bin Laden. “Mas as orações de sexta-feira são rezadas em nome dele”, contestou Pope. “É verdade. Tudo bem. Aceito que tem autorização para estar aqui”, condescendeu o “da’i”, que a partir daí ofereceu a Pope “uma nova perspectiva” sobre a Al-Qaeda. “Para meu espanto”, confessa o repórter várias vezes confundido com o actor Hugh Grant, o ‘Journal’ não estava interessado neste relato. A principal razão era o facto de o missionário não estar identificado.

Obviamente que ele não me iria dar o seu nome e toda a história da sua vida, tendo sido preso quatro vezes pela polícia saudita desde o 11 de Setembro.”Esta é uma entrevista por “e-mail” com Hugh Pope, que já anteriormente publicara duas obras de referência sobre a região: “Turkey Unveiled” (com a sua ex-mulher, Nicole Pope)  e “Sons of the Conquerors: The Rise of the Turkic World”:

Reconheceu que o título do seu livro, por alguns considerado enganador, “iria sempre chamar a atenção”. Pode explicar o processo que conduziu a “Dining with Al-Qaeda”?

De início, pretendia realçar a natureza pessoal do livro e dar-lhe o título de “Mr. Q, I Love You” [o do primeiro capítulo]. Mas o meu editor e outros não gostaram e sugeriram “Eating Chinese with Al-Qaeda” (título de outro capítulo). Um velho colega do “Wall Street Journal” notou que soava a canibalismo, e então decidi brincar com a ideia “Dining Out with Al-Qaeda”. A minha filha Vanessa achou, no entanto, que bastava “Dining with Al- Qaeda”. Sim, o título chama a atenção, e até tenho recebido mensagens de pessoas que retiraram o livro das prateleiras das livrarias pensando que se tratava de culinária! Outros pensaram que era um estudo sobre a própria organização, mas creio que o livro consegue transmitir a mensagem de que é um olhar sobre o Médio Oriente a partir de perspectivas inusitadas. Também creio que contém muitas mensagens sobre como o Ocidente pode aproximar-se da região com mais empatia e compreensão, o que pode contribuir para reduzir o apoio à Al-Qaeda.

Porque sentiu a necessidade de escrever este livro – e porquê agora? São memórias?

O livro é um conjunto de várias coisas: memória de acontecimentos cómicos e trágicos, uma tentativa de mostrar todas as correntes que atravessam as vidas e as políticas no Médio Oriente, e também um estudo sobre como o jornalismo pode, sem intenção, contribuir para a incompreensão da região, particularmente na América. O que tentei fazer foi escrever sobre coisas que eu vi ou com as quais tive experiência directa. O livro é invulgar porque tenta mostrar os laços entre os mundos árabe, persa e turco que compõem o principal triângulo do universo do Médio Oriente, em conjunto com outros elementos importantes, como os mundos judaico, curdo e afegão. Não é um livro com um ângulo restrito (o Irão nuclear, Israel-Palestina, Afeganistão-Paquistão…). A razão por que senti necessidade de escrever este livro foi a experiência dolorosa de cobrir o Iraque, antes, durante e depois da invasão norteamericana em 2003. Eu era o único repórter do WSJ enviado ao Iraque no ano anterior à invasão, e senti-me muito frustrado por tão poucas pessoas nos Estados Unidos poderem ser persuadidas de que a guerra era desnecessária, algo que eu tentava arduamente explicar.

Na luta constante com os seus editores (sobretudo no WSJ) para não ceder aos “interesses” de audiências e grupos de pressão americanos, sentiu que também frustrou as esperanças dos povos do Médio Oriente de serem compreendidos? Foi essa frustração que o levou a desistir de ser jornalista e a dedicar-se ao International Crisis Group?

Sim, senti algumas frustrações quando trabalhava para editores americanos. Como faço notar no meu livro, os meus editores no WSJ eram honestos, rigorosos, exigentes, representado o pináculo da nossa profissão [Pope exemplifica em “Dining with Al-Qaeda” a extrema dificuldade em conseguir ter uma notícia publicada na primeira página do WSJ]. Só quando comecei este livro me dei conta de quanto a nossa forma de escrever é distorcida por preconceitos, tabus e (nos bastidores) por interesses e grupos políticos. Demorei algum tempo a examinar, a uma nova luz, a evolução dos meus artigos através do processo de edição e descobri tendências que, no passado, não havia detectado. O mais surpreendente não foi a tendência para proteger Israel, mas o modo como os artigos tendiam a ser conformes ao desejo dos leitores americanos por histórias optimistas, finais felizes e personagens heróicas nos papéis principais. Nas narrativas americanas, são estas as características que mais atraem, mas pouco têm a ver com a realidade do Médio Oriente. Depois da guerra do Iraque pedi uma licença ao “Journal” para construir uma casa e, talvez, escrever um livro. Quando deixei o jornal, tive muita sorte. Ofereceram-me um emprego no ICG. Não sabia naquela altura, mas descobri que escrever para o ICG é o

que eu sempre quis que o jornalismo fosse – reportagem intensa e factual de acontecimentos importantes, sem embelezamentos para agradar à audiência.

De um bordel na Síria até à guerra no Iraque, que aventuras e acontecimentos foram os mais marcantes desta sua “viagem” [que inclui guerras mas também romances fugazes e tentativas fracassadas de o recrutar como espião]?

As aventuras mais complicadas foram as mais memoráveis. Foram aquelas que senti que poucas pessoas poderiam suportar: estar dez semanas numa pequena terrinha do Sul do Sudão cercada por guerrilheiros rebeldes como um dos poucos estrangeiros e o único repórter; ver em primeira mão o medo e a bravura dos homens nas linhas da frente da guerra Irão-Iraque; o dia em que testemunhei, por mero acaso, o início da revolta tchetchena contra a Rússia; ou descobrirme fechado num bordel enquanto uma grande revolta [da Irmandade Muçulmana contra o anterior Presidente, Hafez al-Assad] era suprimida numa cidade síria. Para algo ser memorável, creio que é preciso ter sido perigoso ou inesperado – o que é mais raro do que se pensa, até no jornalismo. Nunca procurei o perigo, mas, em países instáveis, o perigo por vezes encontra-nos.

Porque sentiu necessidade de expor as “fiskeries” do veterano Robert Fisk? Será que podemos estabelecer um paralelo entre histórias alegadamente “inventadas” por Fisk e as realidades supostamente “omitidas” pelo WSJ?

Sim: não há uma realidade única. Jornalistas e jornais são falíveis, e toda a gente deveria pensar cuidadosamentesobre o que está a ler, nunca suspender as suas faculdades críticas, por muito que as frases tenham “glamour” ou por muito reputado que seja o autor. Robert Fisk não é o único jornalista que extrapolou a exactidão do seu jornalismo, mas porque informações e alegações de Fisk tiveram impacto no decurso da minha vida e da minha carreira [Pope recebeu ordem de expulsão da Turquia, em 1991, por causa de um artigo “sem qualquer fundamento” sobre rebeldes curdos que Fisk publicou no diário britânico “The Independent”, para o qual ambos trabalhavam] senti que a sua escrita, por muito brilhante e influente que seja, merece um exame crítico.

Agora que está dedicado ao Projecto Turquia/Chipre do ICG, ajude-nos a avaliar os vários focos de tensão na região.

Eu escrevo sobretudo sobre o triângulo Turquia-Chipre-União Europeia, mas tem havido grande procura de informação sobre as relações da Turquia com o Irão e sobre se elas demonstram que a Turquia se “está a afastar do Ocidente”. No Crisis Group não temos prova disso. A Turquia partilha genuinamente o objectivo do Ocidente de que o Irão não deve possuir armas nucleares. Quanto ao Afeganistão, tem apenas um interesse indirecto para o nosso projecto, uma vez que a Turquia só desempenha ali um papel [militar] não combatente, estando a tentar desenvolver melhores relações entre Cabul e Islamabad.

O Iraque, por seu turno, é frequentemente avaliado nos nossos relatórios, um dos quais constata uma melhoria revolucionária nas relações com os curdos iraquianos. O gabinete do ICG em Istambul olha, sobretudo, para o papel da Turquia no que diz respeito aos aspectos internacionais das crises nas regiões – não para os assuntos internos turcos. Contudo, damos atenção à situação doméstica sob o prisma do processo de adesão à UE, e num próximo relatório abordaremos aspectos da insurreição do PKK [Partido dos Trabalhadores do Curdistão, separatista]. Quanto a Israel, tornou-se um problema, no último ano, à medida que as relações [com Ancara] se deteriora- ram, afectando subsequente- mente os laços da Tur- quia com os EUA, com países árabes e outros. Não foi a Turquia que procurou o conflito e foi excessiva a acção israelita, da qual resultou a morte de 90 [means 9, I think] pessoas, contra uma flotilha liderada por turcos para quebrar o bloqueio de Gaza. No que diz respeito à Síria e ao Líbano, são países que fazem parte dos nossos relatórios porque nunca, desde o fim do Império Otomano, estiveram tão próximos da Turquia. O esforço da Turquia para desenvolver estas relações, de modo a garantir estabilidade e prosperidade – mais liberdade de movimento e comércio, integração de economias e infra-estruturas, incluin- do [nestas parcerias] a Jordânia e, possivelmente, outros países do Médio Oriente – é um dos acontecimentos mais positivos registados desde há vários anos no Médio Oriente.

Como avalia as políticas do Presidente Barack Obama em relação aos “muitos mundos” do Médio Oriente?

Como digo em “Dining with Al-Qaeda” ele representa uma nova empatia face ao Médio Oriente. Isto talvez tenha sido exagerado quer pelas pessoas do Médio Oriente (que vêem Barack “Hussein” Obama como estando naturalmente do seu lado), quer pelos conservadores nos Estados Unidos e em Israel (que receiam que ele esteja realmente do lado do Médio Oriente). Duvido que o “establishment” americano esteja prestes a fazer mudanças substanciais numa política fortemente implantada na região, sobretudo numa altura de grande envolvimento dos EUA no Iraque e no Afeganistão, ou que vá haver mudanças fundamentais em relação a Israel ou no que diz respeito aos radicais anti-EUA. Em todo o caso, o modo como Obama estendeu a mão, primeiro à Turquia e depois ao mundo árabe, mostrou que está a tentar mudar o modo como os Estados Unidos são vistos, e que ele compreende que há “muitos mundos no Médio Oriente”.

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